Recentemente, a crise sanitária e humanitária na Terra Indígena Yanomami ganhou espaço no noticiário nacional. População desnutrida, com malária e verminoses, sem acesso a serviços básicos de saúde e constantemente violentada e ameaçada por garimpeiros ilegais são pontos que acenderam o alerta do governo federal e de outros países sobre os serviços de saúde indígena no Brasil e a garantia dos direitos humanos.
As políticas públicas voltadas a atender às demandas de saúde dos povos indígenas sempre foram um tema complexo ao longo da história do nosso país. Por habitarem regiões mais remotas e que não são acessadas facilmente e estarem mais suscetíveis a doenças trazidas por não-indígenas, essa população requer uma atenção especial.
Dados do último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que há no Brasil quase 900 mil indígenas, sendo mais de 570 mil habitantes de zonas rurais. A região norte é onde os povos mais se concentram (37,4%).
Tendo isso em vista, decidimos elaborar este conteúdo para explicar um pouco da história da saúde indigena no Brasil e como os serviços são prestados atualmente a essa população originária.
Além das tensões territoriais, os povos originários do Brasil sempre enfrentaram problemas no âmbito da saúde desde a colonização – das primeiras infecções virais e bacterianas trazidas pelos colonizadores até as epidemias do século XX e, mais recentemente, a pandemia do coronavírus.
Preparamos aqui uma linha do tempo que resume a história dos serviços de saúde indigena no Brasil. Confira!
No período colonial e nos primeiros séculos após a chegada dos portugueses, os serviços de saúde indígena no Brasil eram feitos por meio de missões religiosas. Foi só em 1910 que foi criado o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), o qual ficou responsável pela saúde dessa população.
No entanto, a atuação dos SPI restringia-se à assistência de emergência e situações de conflito. A organização era precária e os atendimentos eram esporádicos.
O Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas (SUSA) foi criado na década de 1950. Subordinado ao Ministério da Saúde, o SUSA tinha como objetivo garantir que os povos originários tivessem acesso aos serviços básicos de saúde, como vacinas, controle de doenças infecciosas e atendimento odontológico, entre outros.
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A FUNAI foi fundada em 1967 para substituir o SPI. Tendo como referência a atenção promovida pelo SUSA, a Fundação Nacional do Índio implementou as Equipes Volantes de Saúde (EVSs) como forma de sistematizar a assistência aos indígenas.
A intenção era garantir que a população tivesse acesso a atendimentos médicos, vacinação e outros serviços. Porém, o planejamento dessas equipes era frágil e faltava integrar as ações, o que fez com que esse modelo se mostrasse pouco eficaz.
A infraestrutura precária, a falta de capacitação do pessoal e um sistema de informação ausente também contribuíram para o insucesso das EVSs. Aos poucos, essas equipes migraram para áreas mais urbanas até que as aldeias não recebessem mais essa assistência.
O Estatuto do Índio, criado a partir da Lei 6.001, de 19 de dezembro de 1973, regulamentou vários pontos de interesse da população indígena e, desde então, estabeleceu diretrizes específicas para a saúde desses povos.
A Constituição Brasileira de 1988 determinou os princípios gerais do Sistema Único de Saúde (SUS) – que foi regulamentado dois anos depois pela Lei nº 8.080.
O texto da Constituição Federal defende a democratização do acesso aos serviços de saúde e descentraliza as macroestruturas para níveis locais e regionais. A Carta também especifica que zelar pela saúde indígena é obrigação do Estado.
Nove anos depois da criação do SUS, a Lei nº 9.836 criou o Subsistema de Atenção aos Povos Indígenas, que atua sob o guarda-chuva do Sistema Único de Saúde. Já em 2002, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas (PNASPI) foi regulamentada pela Portaria nº 254.
Com a política de descentralização da assistência, 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs) foram implementados.
Hoje, a gestão da saúde indígena é de responsabilidade direta do Ministério da Saúde.
Depois desse breve panorama histórico, ficará mais fácil para você entender como funciona a saúde indígena no Brasil.
A Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e toda a gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SASISUS) fica a cargo da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), que é subordinada ao Ministério da Saúde.
Com o foco em promover, proteger e recuperar a saúde da população indígena, a SESAI busca desenvolver ações de atenção à saúde desses povos considerando as especificidades demográficas, sanitárias e epidemiológicas de cada Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI).
Com autonomia administrativa e orçamentária, os DSEIs podem cobrir diversos municípios em unidades federativas distintas.
A demarcação desses territórios de atuação levam em conta não apenas o aspecto geográfico, mas também o cultural, o político, o técnico-operacional e o demográfico. Esses critérios podem ou não coincidir com as fronteiras municipais ou estaduais em que os indígenas estão localizados.
Cada DSEI conta com uma infraestrutura de postos de saúde, pólos-base e Casas de Saúde Indígena (CASAI).
Há também a figura do Agente Indígena de Saúde (AIS), que é o profissional que presta a assistência básica diretamente nas aldeias de forma itinerante. Dentre as atribuições do AIS, destacam-se:
As CASAIs recebem os indígenas encaminhados dos pólos-base, quando estes não possuem os recursos necessários para lidar com quadros clínicos de maior complexidade. É nessas Casas que a população indígena tem acesso à assistência secundária e terciária.
Bom, ficou claro como funcionam os serviços de saúde indígena no Brasil? Como você pôde conferir, essa população percorreu um longo caminho (e ainda luta) para ter acesso à assistência básica e especializada, o que sempre foi um desafio para o Estado conseguir assegurar esse direito constitucional.
Caso queira continuar se aprofundando nesse tema, sugerimos que você assista este minidocumentário: